Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Conto de fadas

Primeiro chegou uma carta longa com letra cursiva e milhares de promessas de amor vagas. Abriu, leu, não respondeu... mas sorriu e encheu o coração de uma esperança de que a sua vez no amor chegou.

Todas aquelas letras no papel amarelado tinham um significado maior que tudo. No mundo dela, as palavras eram de uma importância tamanha. Verdadeiramente eram o mundo dela. O que ela esquecia era de perguntar se palavras manuscritas apaixonadas eram contratos de vida inteira no mundo de todos. Talvez inocência, talvez romantismo exacerbado.

Depois chegou um cartão cor-de-rosa com uma rosa seca presa por uma fitinha de cetim. Junto com o perfume da falecida rosa, mais meia dúzia de promessas relativamente mortas. Promessas grandes demais e eternas demais sempre morrem rápido, mas ela não sabia disso.

Ela não saiba que o amor quando prometido demais ou desejado em excesso no início, na verdade não é amor, é paixão. E paixão tem prazo de validade, provavelmente porque vem com força demais e depois esgota.

E os cartões continuavam chegando, cada dia mais lindos e ela foi se encantando como princesa que confia no príncipe encantado para tirá-la da torre negra a qual foi colocada com feitiço de desamor. 

Pobre menina inocente e malditos os contos infantis que mentem para as meninas indefesas e fazem com que saiam na vida procurando príncipe encantando sem notar que, nem existem príncipes, tampouco elas são princesas. Existem humanos vivendo vidas meio tortas e relacionando-se como dá ou escorando-se uns nos outros para não cair na mediocridade da vida.

O príncipe não tinha cavalo branco, nem toda aquela beleza que deveria ter. Tinha promessas em linhas e mais linhas, mentiras ou não. Tanto fazia para ela, estava cega de amores. Para ela tudo que ele dizia era verdadeiro e mágico, ele era o mais bonito do mundo e o seu “felizes para sempre” era realmente eterno.

Por razões inexplicáveis para ela, mas bem explicáveis para o resto do mundo, a doçura dele foi diminuindo à medida que o tempo passava. Já não chegavam mais cartas, nem cartões, nem poemas em dias quaisquer. Ela continuava pintando ele de príncipe, fingindo que a realidade não existia.

Mas, querendo ou não, doendo ou não, um dia a gente tem que crescer e admitir que os contos de fadas eram mentirosos. A gente tem que abrir os olhos e notar que a realidade é bem mais negra do que aquela que os livros infantis pintam (embora aquela realidade devesse ser apavorante, já que isso de princesas presas em torres por bruxas más e vigiadas por dragões é absolutamente apavorante).

Em um dia qualquer, ela dormiu com um príncipe e acordou com um sapo. Notou que ele não era assim tão bonito, nem tão gentil, nem tão carinhoso e que na verdade, escrevia mal e fazia promessas vazias. Mandou o príncipe-sapo embora e nunca mais quis ser princesa de ninguém. Era o fim de um conto de fadas e da procura dolorosa de um “felizes para sempre” que talvez nunca chegue.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Dentro

Eu me apavorei quando me vi presa em seus olhos. Era ali um abismo profundo demais e minhas mãos já escorriam pelo último galho preso a ribanceira. Tão logo, em pequenos instantes, eu estaria caindo para sempre. Sendo tão absurdamente sugada pra dentro de você e quem é que sabe se alguém já conseguiu sair de você? Será que ninguém nunca morreu de amor e ficou pra sempre dentro de você sem vida, nem alma tendo que te aguentar sendo amado por outras pessoas sem fazer nada?

Existia em você a força de um buraco-negro e, mesmo que essa força de atração não fosse tão grande, eu me deixei atrair por você como algo irresistível, como imãs de polaridades opostas se atraem. 

Existe algo nos seus olhos que devora pessoas, corações e sentimentos. Seus olhos me devoraram e agora me digerem. Estou presa, sem poder fazer nada, segurando-me um pouco mais antes de cair de uma vez pra dentro de você e eu não resisto.

Não luto. Não quero lutar contra essa atração fundamental que me consome agora. Quero morar aí dentro de você, mesmo sem saber se dentro de você é tão bonito quanto você é por fora ou quanto aquele seu olhar que me prendeu pra sempre no castanho dos seus olhos.

Eu tentei gritar, mas em volta de você não existia mais ninguém: apenas eu sendo tragada para dentro de você, sorrindo e leve. Perdida, apaixonada, moradora sua, sua, só sua.


E agora, já sem pavor, desisto de segurar o ultimo galho que me prendia na entrada de você, me solto e mergulho em uma imensidão de formas multicoloridas e de várias dimensões. Você não é escuro, você é luz de todas as cores, ainda mais encantador aqui dentro. Sorrio, suspiro, derreto-me: minha nova morada é a mais linda e feliz de todas.