Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Descoberta

-Já acabou?
-O quê?
-Esse pesadelo horrível. Acabou?
-Mas de que pesadelo está falando? Está louco?
-Não. Está tudo fora de seu lugar, tudo está horrível, tudo é feio e cheira mal, nada tem cor, nada parece doce, monstros terríveis batem a minha porta e me ligam. É um pesadelo dos piores que existem e você está dentro dele também, só não sei quem sonha com quem.
-Ó, doce amigo. Isso que você chama de pesadelo os outros - aqueles mesmos que tem chamam de louco - chamam de vida. É assim que o mundo é, é assim que a vida está. Peço-lhe sinceras desculpas por ser eu aquele que te tira da sua loucura e te mostra que você não irá acordar do pesadelo, porque ele é realidade.
-Mas como? Isso não pode ser vida! Eu li certa vez em um livro, um livro bonito, e lá a vida não era assim, era colorida, era bonita, tinha som, cheiro e alegria.
-Poderá talvez ganhar sua cor um dia, mas o que a gente chama de vida por aqui não é isso. As estórias dos livros por muitas vezes mentem pra fazer a gente sorrir um pouco.


Ele sentou-se no canto, fechou os olhos e desejou profundamente que voltasse ao mundo como o livro lhe contou. Mas isso não aconteceu e seus olhos encheram-se de lágrimas para sempre.

Os caminhos

Dos caminhos que eu fiz, recordo-me de pedras, de flores, céus azuis e cinzas, tropeços, sangue escorrendo e sorriso no rosto.

Acharia eu, as mesmas pedras, se fizesse os mesmos caminhos? Ou as pedras que eu encontrei um dia estão agora menores (ou maiores)? As pedras existiam mesmo ou o que existia era a minha percepção das pedras?

Fazer o caminho de volta, poderia torna-lo menos doloroso, já que conheço todas as pedras e flores daquele caminho. Lembro-me em que ponto bati a cabeça até sangrar naquela pedra por orgulho, em que ponto matei uma bela flor por vaidade, no lugar em que chovendo, me deixei cegar pela água e não aproveitei a beleza de um arco-íris; ainda conheço aquela curva que me fez errar o caminho por sedução e o campo de flores do campo em que refresquei a minha alma cansada. Mas a minha percepção não é a mesma que eu tenho quando fiz aquele caminho. Aquela que fez o caminho, não é esta de agora.

As flores de agora podem não ter tanto cheiro, do mesmo jeito que outro jardim pode ser tão colorido, belo e cheiroso agora; a chuva que me cegou, talvez agora acalme meu coração e a enorme pedra em que minha cabeça sangrou, talvez agora esteja pequena e frágil. Como haveria eu de achar que o caminho é o mesmo, se o caminhante não é?

Já nem sei se queria fazer o mesmo caminho por facilidade ou se para testar se realmente aprendi as lições, já que errar os mesmos erros não parece lá muito inteligente. Ir atrás dos mesmos erros que estão no mesmo caminho parece não ser inteligente também.  Talvez seja medo do caminho novo.

O desconhecido causa medo. Quem é que me prova que o novo caminho terá sorrisos e não apenas lágrimas? Quem é que me diz que da escuridão inicial terei alguma luz a frente? Quem me mostra que o jardim florido deste caminho não secará ao fim da primavera? Quem me dirá se a chuva é do tamanho que meus ombros aguentam? Quem me indicará uma direção quando a encruzilhada teimar em aparecer outra vez?

De todas as dúvidas, só ficam algumas certezas que me levam a frente, no caminho novo porque o velho já tem esse nome para avisar que é passado: a beleza do caminho é incerta, a de quem caminha é que não pode ser.