Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 18 de março de 2009

Coleções

Ela colecionava amores como quem coleciona figurinhas que já não tem valia alguma, entretanto não podem ser jogadas fora.

Alguns dos amores que tinha haviam sido explosivos, repletos de nobre sentimento e de ósculos doces capazes de deixar a sua face rubra. Alguns, nunca deixaram de ser sonho. Amores que ela docemente inventou, sem saber ao certo se havia erciprocidade e com ósculos de além-vento, mas ainda assim com o mais nobre sentimento.

De cada um de seus amores ficavam lembranças, algumas tolas, mas não menos importantes. Lembrava de cheiros, gostos, mãos, nós no cabelo, lugares, ruas, narizes e poemas. E havia nela uma enorme relevância em cada recordação.

Durante muitos dias acordou, sem amor e sem afeto, e ferozmente, vasculhou seu coração afim de limpar aquelas recordações daqueles amores que, nestes dias, eram pesadas e tristes.

Sem sucesso, revirava de ponta a ponta seu coração, sentindo cada calafrio novamente e o pesar de seus sentimentos, antagonicamente, aumentava a medida que ela, inocente e furiosa, os tentava esquecer.

Desgastada e vencida, desistia e os amores voltavam a ser leves e apanas amores.

Lembrava-se então de um poeta que dizia: "Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor". Seu peito todo se orgulhava dos amores que colecionava neste. Concordando com Nelson Rodrigues, esboçava um sorriso de satisfação e com este mesmo sorriso dormia e acordava, ainda feliz pelos amores que tinha.

Danieli Buzzacaro
17/03/2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

Príncipes e sapos

Era um dia simples e morno. Levemente a manhã escorria, já dando lugar à tarde quente da qual ela não mais era acostumada. Recordações vivas brotavam de cada canto, a luz emanada pelo sol ali era diferente e a brisa tinha todo um cheiro de esperança e de amores, e ela sabia: aquele lugar ainda era seu; e a este ela amava muito.

Sorvia de cada raio de sol, aspirando toda uma vida e gerando pensamentos desconexos de saudade. Pensava no quase amor que havia deixado naquela terra quente e não sentia falta da terra fria que agora habitava. Todas as suas apostas estavam ali e ela poderia ter sucesso na terra fria, mas tinha a certeza de que não teria amor.

Não havia visto seu quase amor, sentia falta do cheiro, das mãos delicadas e mornas, da pele alva, da fragilidade que aparentava e da força incontrolável que tinham suas palavras. Vê-lo após tanto tempo causava-lhe calafrios e sensações estranhas no estômago. Tremia-se toda só de pensar em ver os belos olhos cor de mel novamente.

Mas não havia jeito, com calafrios ou estável, ligaria para ele, pois este, segundo a regra era seu dever. Tomou de uma coragem que nem ao menos conhecia e seus músculos relaxaram ao ouvir a voz dele, como se aquilo fosse tudo que ela queria, e deveras era. Na voz doce, pela qual apaixonara-se, havia toda a segurança que ela precisava para esquecer os calafrios e entrar em um estado de letargia, como se fosse transportada para um mundo onde ela tinha um belo castelo e ele como seu príncipe.

Haveria uma festa naquela noite e não era o baile real, mas era importante, caso as companhias valessem a pena. E não haveria de ir a festa sem o príncipe de seus sonhos, que teria a oportunidade de vivenciar na realidade, deixando esta doce e quente. Não era ali que ela gostaria de estar, queria uma passagem para as estrelas e a doce presença dele por horas que não necessitam ser contadas, mas isto, era sonho distante. A oportunidade era a festa daquela noite, com pouco tempo e muitas pessoas ao redor, infelizmente.

Com a voz firme de esperança, fez o convite e quão grande foi sua surpresa ao notar que ele, do alto de sua vida moderna e ocupada, aceitou o convite sem desdém, sem ao menos saber de que se tratava o evento para que ela o convidara.

Estava ansiosa, não com o evento ou sua chegada. Suas pernas tremiam só de pensar de vê-lo. E muito deste medo não era pela existência de seu sentimento por ele, mas sim, pelo medo de que o sentimento por desencanto desaparecesse. Sumindo com seu príncipe e deixando um sapo no lugar, ao qual ela possivelmente sentiria náuseas.

Ele chegou, cavalo branco e nenhuma complexidade, tinha o mesmo cheiro, a mesma voz, entretanto as mãos lhe eram gélidas. E as sensações que lhe causaram eram diferentes das que sentia ao ler suas palavras ou antes de dormir. Como se ela gostasse mais dele distante. Como se pessoalmente ele não fosse tão príncipe, nem tão seu amor. Como se a realidade, com toda a sua sensibilidade, desbotasse tudo. Como se para ela amar o desconhecido fosse mais possível.

Não sentia mais os calafrios e lhe tratou durante toda a festa com a simpatia com que tratou todos. Ao retornar para casa, agradeceu-lhe a companhia, que embora lhe causasse estranhamentos, ainda era uma de suas preferidas e então, atormentada por milhares de pensamentos, pensou se aquilo que sentia pelo príncipe deveras era amor.