Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Desassossego

A minha hora parou
No dia que te sonhei.
A ponta dos dedos
Ainda estão sedentas de teu perfume.

Com tua guitarra, teus cheiros
E tuas palavras me apaixonou.
O mundo coloriu-se com teu nome;
E o tempo sussurrou: espera-me.

No coração tudo era novo
E inquieto como o mar.
A calmaria, logo após tua chegada,
Virou desassossego.

Em sonho vi o quão doce
Teu beijo (não) é.
Quis ósculos de além-vento
E tive ventos de saudade.

Amanhã

Hoje, sorvi cada pedaço da manhã como se fosse vinho barato daqueles que nos presenteiam um dia seguinte com uma cefaléia horrível e uma necessidade incontrolável de amnésia. Mas hoje, não há a cefaléia, nem a amnésia: sinto e lembro-me de tudo com uma clareza insuportável.

O calor e o amarelo-sol predominam nos pensamentos e até os mais acostumados a viver no inferno sentem uma tímida gota de suor escorrer-lhes a face.

No asfalto a temperatura é incalculável e é possível sentir o calor do magma presente no centro da terra.

Cada misero milímetro deste lugar traz a mente uma recordação diferente. Recordações aparecem nestas épocas de fim de tempo. O tempo está se acabando e nada faço para impedir que ele se vá. Ao longe, vejo o senhor das horas com seu sorriso sarcástico e o meu destino nas mãos a me acenar docemente.

Talvez não haja tempo para as despedidas necessárias e eu me vá com um sabor ácido de quem ainda não fez tudo o que deveria ou desejava. Ao mesmo tempo, vou-me com um cheiro doce de quem precisa voltar amanhã pois deixou um bolo no forno.

Tenho a incerteza de quantos dias demora amanhã pra chegar. Talvez meu bolo queime no forno antes. Amanhã é um dia cuja memória ainda não me dói e o desconhecido deste amanhã é um fruto de sabor intocado.

Ter certeza neste mundo de percepções nulas é presunção e deveria eu , embora muitas vezes não consiga, conviver bem com esta multidão de incertezas que me cerca por todos os lados.

Tantos planos para talvez nem acordar amanhã. Tanta importância a sentimentos que nada sei, além de que os senti. Não posso provar ao mundo as sensações que tenho antes de dormir, nem os olhos marejados de lagrimas ao observar um jardim irregular no meio do asfalto, tampouco os amores que sinto por alguém tão irreal quanto eu.

Em tempos de mudanças grandes, o espírito todo se contrai, procurando não sentir essas mudanças antes que elas realmente aconteçam.

O calor continua e só sei que tudo agora é uma preparação para um futuro sabido há cinco anos, mas que sempre pareceu distante demais para existir e agora, no entanto, se aproxima ferozmente.

Há cinco anos digo adeus a esta cidade como quem volta amanhã, e assim, sempre o fiz. Agora, digo adeus como quem não volta e, se assim será, não sei. Profundamente... não quero.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cinza. O céu refletia devagar a cidade coberta de fumaças e sonhos noturnos. Pela manhã todos saem de casa com seus sonhos sobrando no canto da boca sem notar o ocorrido. Eu, como toda aquela gente recém desperta também carregava o resto de sonho junto ao lábio inferior, escorrendo como mel de abelhas.

Meus sonhos estão todos novos e iluminados com uma luz não conhecida. Uma mudança repentina transformou o que era necessário em um quase estorvo.

Os dias estão estranhos. De uma estranheza indelicada. Tudo tem sido divagações em minha mente e há um torpor de medo ou alívio. Uma felicidade inadequada aloja-se em algumas horas especificas do dia e sinceramente, não sei conviver com ela muito bem.

Hora a hora, o sol ganhou força. O dia tornou-se quente e insuportável. Necessitei mais do que nunca de refúgio. Emaranhada entre livros e poesias, senti o mundo girar mais devagar. O coração pesa ainda, talvez não quisesse perder o pedaço que perdi.

O estado mental, embora confuso (como esse texto) traz doses exageradas de inspiração e não tenho certeza se a instabilidade passou. Enfim, já que a inspiração existe, abusarei da cidade cinza/amarelo para exteriorizar monstros imaginários.

O sentimento que não há


Sentir e não sentir mais!
Oh! paradoxo da vida minha.
Teces o amor emaranhado na solidão.
Aranha amedrontada sugando teias.

O som do amor que não mais tenho
Era doce como brisa pela manhã.
Teus olhos são baços como outrora
Sedentos de confusão e amor vão.

Amei... Sim! Amei!
Os sentidos que por ti senti permaneceram
intocados como tua boca.
Existindo em um país além dos sonhos.

Tua efígie não mais habita o coração.
Na mente divagações soltas.
Lembro-me do doce sabor de seu mundo.
E ele, já não quero (acho).

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Vazio


Secaram todos os botões de todas as roseiras
No jardim, de súbito, dissolveu-se o perfume.
Não havia mais vida plausível.
Era fato: foi-se embora meu amor.


Tu se foi, mas o sentimento,
audacioso, permaneceu.
Dilacerando cada célula
daquele pobre coração letárgico.


Com pedra e lança o coração era ferido
O sangue corria como fogo
E o amor, diferente dele,
Não ía embora.


Dia após dia lutou arduamente
Pedia em prece que o amor lhe deixasse.
Um dia foi atendida.
Pronto, foi-se o sentimento.


Sorriu. E logo o sorriso amarelou.
O coração estava vazio.
E já não deveria doer.
Foi quando descobriu: nada dói mais que nada ter.