Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sobre a caixa e as consequências

O que há aqui dentro é uma caixa fechada com cadeado. Porém a chave espalhou-se pelo mundo. O mundo abriu e não soube cuidar.

Eu sabia que abrir era necessário, entretanto perigoso. Dito e feito, o perigo tomou conta e tornou-se inevitável.

Agora, os questionamentos são intermináveis e não trazem consigo uma conclusão, tampouco uma solução.

Abrir a caixa sempre significou (e era sabido que resultaria nisso) mostrar-me inteira, perder a vergonha e o medo. Mas o medo maior era o de abrir e agora, depois de tudo feito, o medo que deveria não mais existir, aumentou.

Muitas pessoas tem acesso a essa caixa e a toda bagunça guardada nela e em nada isso ajuda.

Queria a chave de volta, mas é tarde e tudo já está espalhado como pólem de flores na primavera. Esforço vão este, portanto.

E para se ter noção da atual situação, este texto (em contradição) está escrito em primeira pessoa.

Danieli Buzzacaro
26/11/2007

Canção da vida

Este poema merece uma explicação prévia. Até então só postei aqui textos escritos recentemente, este, contudo foi escrito há seis anos atrás.

Eu era mais nova, meu jeito de escrever era diferente e vá lá ele não está bom. Mas vale ressaltar que na época foi muitíssimo bem recebido pela minha professora de literatura e produção de texto. E este poema foi duurante algum tempo o poema de que eu mais me orgulhava. Enfim, chega de enrolação e vamos a ele.

Canção da vida

O mundo canta a canção da vida.
Com angústia canta
a canção das lágrimas,
a canção do sangue.

Nós somos o grito mudo
perdido na escuridão de uma lágrima,
cantado no auge da loucura e
presente na cor de um sorriso.

Nossas lágrimas que queimam
são notas músicais.
Nosso sangue que fere
é ritimo e harmonia.

Nosso sorriso é som que silencia
uma canção melancólica
sofrida, selada e calada
no íntimo de um coração que ama.

Danieli Buzzacaro
29/03/2001

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Não por acaso

Estava descrente. Descrente daquilo que todos chamavam de amor. Talvez ela não soubesse direito o significado daquela palavra. Talvez o mundo a havia concebido para ser descrente de tudo.

Naquela manhã, acordou com as mesmas olheiras de sempre, a noite havia sido quente, de um calor insuportável. Os cabelos estavam despenteados e o pijama amassado. Acordou mecanicamente na mesma hora, com o som estridente de seu despertador. Tomou banho lentamente, sem saber direito o que fazer. Bebeu do café e brincou com o pão. Enrolava-o entre os dedos, como criança brincando de modelar. Se deu conta da hora, estava atrasada, como habitual, vestiu-se e mal penteou os cabelos. Saiu, destrambelhada e derrubando algumas folhas.

No ônibus observava tudo, sem a devida empolgação. Pessoas espremidas, gente mal-humorada e sem luz, quase sem vida. Enquanto olhava para a criança, uma senhora pisou em seu pé, não se desculpou, ela suspirou: “Vai ser um dia daqueles”.

Acabada a viagem matinal diária, chegou à faculdade e entrou na sala tentando não ser notada. Não teve, porém sucesso em sua missão. Culpa daquela maldita cadeira barulhenta. A professora falava com a empolgação de quem repete as mesmas frases marcadas há vinte anos, sem mudar o tom de voz, os cabelos e a expressão.

As palavras não conseguiam entrar em seus ouvidos, fez trejeitos de que ia sair pra fumar um cigarro, a professora a encarou, da ponta da franja que caia nos olhos até o all star sujo. Fora obrigada a mudar de idéia, ajeitou-se na cadeira e abriu um livro. Mergulhou num mar chamado Fernando Pessoa e precisou de um beliscão para responder a chamada.

Assistiu às aulas estranha, o coração batia como se algo fosse acontecer, não sabia o quê e aquilo lhe trazia a velha mania de infância, roer unhas.

Ela não esperava nada de uma quarta-feira, nem ele. Mas ele ainda não entra na estória.

Saiu da aula e dispo-se a ler e-mails, com uma preguiça incalculável, então um cumprimento no Messenger muda o jogo naquele dia.

Cinema marcado. O coração ainda batia do mesmo jeito, mas sem esperanças de um fim de tarde interessante.

Foi quando ele chegou (e é bem aqui que ele entra na estória). Ele tinha o mesmo rosto de que ela se lembrava daquela noite no bar em que conversaram sem compromisso e sem marcar tempo. Havia mudado o cabelo, mas não a timidez, nem o tom de voz.

O filme escolhido era tarde, a segunda opção nem existia, enfim apagaram o último cigarro e entraram no cinema, sem nem saber o que assistiriam.

Clichê não era apenas o filme, mas sim o desenrolar da estória.

Saíram antes do final, corajosos e sem medo das pipocas e andaram pela noite que crescia sem medo da chuva.

Entre um copo e outro de cerveja a conversa crescia, informal e empolgante. Ela sorria, como há tempos não viam. Tinha pretensões além daquela conversa com ele, mas a timidez que guardava em si não deixava outra escolha, ia ficar ali, sentada e só.

Foi quando, ele esqueceu da timidez e em um pedido simples, ela descobriu que o seu desejo era o mesmo que o dele. O lugar sumiu e só escutavam os gritos de gol. Depois, ela corou-se como um caqui.

E quem disse que o destino (coisa que nem ela, nem ele acreditavam) não coloca crença em momentos extraordinários. Ele chegou, sem marcar hora e conseguiu mudar conceitos.

Nenhum dos dois tinha pretensões de gostar e a estória não tem final, ainda, pois ela decidiu que ia deixar acontecer. Ele aceitou.

Danieli Buzzacaro
24/10/2007